domingo, 28 de outubro de 2007

Noite sem fim

Desceu a escada, a boca trêmula e os olhos úmidos. Andava cambaleando, não havia em si nem ao menos uma gota de sobriedade. Vestido amarrotado, uma alça caída no ombro e um rasgo de leve na costura da outra. Tirou os saltos, sentou-se no fim da escada. Encosta agora a cabeça na parede, e espera.
Logo surge o sol, junto à consciência de seus atos. Clareia a mente, e traz um pouco de dignidade.
Recorda, lembranças fragmentadas. Cheiro de vinho, gosto de pele e suor. Um sopro na nuca; não, respiração. Não faz muito tempo, ainda sentia o deslize da mão em seu tronco. Um tapa na cara, mas foi para acordar. Náuseas, sufoca as lágrimas e espera. Estava distante de casa, não lembra com que propósito foi parar neste lado da cidade. Uma palavra, que diz? Os lábios se movem, mas o som não se propaga. Chora comedidamente e pede perdão. Seus pecados, abrigo para a solidão. Não é a primeira vez que se submete ao vulgar em busca de afago, não será a última.
O sol forte em seu rosto irrita-lhe os olhos, insuportável. Deita no degrau cobrindo os olhos com o braço e começa a cantarolar uma música possivelmente inventada. Os sapatos em sua mãos acompanhavam o ritmo da música em movimentos circulares.
Abre-se a porta, sai o rapaz. Seus olhos lúcidos refletiam uma mistura de aversão e pena. Pensa em dizer qualquer coisa que fosse, desvia o olhar. Não é covardia, é sensatez. Secamente a manda embora, e volta a entrar. Tranca a porta, e ela ri. Uma risada quase desesperada e sente as pernas lhe falharem ao tentar se levantar. Desiste, volta a sentar-se, e espera. Um pouco de valorização, talvez. Que não seja através de amor, mas pelo menos alguns trocados.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Memória


Amar o perdido

deixa confundido

este coração.


Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.


As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis à palma da mão


Mas as coisas findas

muito mais que lindas,

essas ficarão.


Carlos Drummond de Andrade
Eu sou verde e o Guimarães Rosa. Não entendo porque todos cultivam a guerra e só a Barbara Paz. As pessoas brigam por coisas bobas, como eu gostar de tempo úmido e a Débora Secco, ou eu ser de Niterói e o Dinho Ouro Preto. Não entendo, o que tem demais em eu ser de cidade e a Vanessa da Mata? E se eu sou brasileira e o Renato Russo, isso nos impede de se dar bem?
Eu posso muito bem gostar da cidade e o Álvaro de Campos, andar de cavalo enquanto o Marcelo Camelo, cultivar girassol e o Samuel Rosa.
Acho legal enxergar além, e o Felipe Massa!
Enfim, você pode não ter achado graça, mas o Damon Hill!